Querer agradar é uma merda.
Em busca de aprovação alheia, fulano faz o que não quer, cala quando tem muito o que dizer, samba quando queria um tango.
E, mesmo com tal esforço, escrotos y escrotos lambidos mais tarde, pode ser inevitável a rejeição –grande temor do pipol pleaser.
A história (e nossas histórias) está repleta de exemplos.
Vide a fábula do Pepe Botella (1768-1844), once upon a time rei da España, vulgo Pepe (Zé) Cachaça, na liberdade tradutória desta que vos fala.
De batismo José Bonaparte, era o irmão mais velho de Napoleão, e foi por este nomeado monarca meio de supetão em julho de 1808, aos 40 anos de idade, para tamponar os ânimos das guerras españolas pela independência (1808 – 1814). Dizem que nem queria.
Tinha experiência prévia como diplomata e mensageiro deluxe do irmão em batalhas e negociações aqui e ali, mas carreira de rei não tava entre suas ambições. Ainda por cima, José ficou co’a batata quente de agradar aos espanhóis, a essa altura muy compreensivelmente contrariados pelas invasões francesas.
— Vaya regalito que me ha dado mi hermano!* –lamenta o Zé, ou melhor, José I de España, no espetáculo teatral “La revolución de las Pepas” (de Stella Manaut, uma tragicomédia sobre a revolta de mulheres “cigarreiras” — enroladoras de cigarros — em Cádiz na época da aprovação da primeira constituição espanhola, em 1812).
(*”Que presentinho de m…!”)
O regalito, claro: o reino da Espanha, então invadido pelas tropas napoleônicas, que estavam zampando o território sob o pretexto de querer chegar a Portugal e tal.
***
Ora, e como o Zé Bona virou o Zé Cachaça I da Espanha?
Tão bondoso apelido nasceu basicamente do ressentimento da população espanhola em relação à invasão napoleônica.
A caricaturização de José Bonaparte sobreviveu aos ventos históricos e chegou às conversas de hoje, quando cê pode ocasionalmente escutar alguém chamar um amigo borracho (bêbzzdo) de Pepe Botella (como eu presenciei com essezóio y orêias que la tierra há de cumê).
Mas até hoje há controvérsias mil sobre as fronteiras entre o personagem, sua vida real e o grau de bullying popular que terminaria ejetando-o do poder junto com a derrota napoleônica em 1814.
Alguns biógrafos enfatizam que Zé Bona tentou a todo custo (e sem sucesso) se enturmar com os “afrancesados”, como eram conhecidos os espanhóis “ilustrados” simpatizantes do napoleonismo.
Também dizem que era mulherengo (como, de resto, era comum entre nobres y desnobres). De fato, teve casos com distintas mulheres ao longo da vida, ao mesmo tempo que mantinha o matrimônio oficial com a francesa Marie Julie Clary –a qual, por sinal, nunca pisou na Espanha.
Gente do sséu. Pobre Maria. Ou não. Né.
Entre as amantes do Pepe, a mais famosa foi a condessa cubana viúva Teresa Montalvo, com quem, dizem, o monarca se acucurrava num palácio-garçonnière na rua del Clavel, em Madri. Depois que esta faleceu, ainda jovem, Pepe passou tranquilamente ao mimimi com sua filha Maria Mercedes.
Kcete.
Daí nasceu a delicada trovinha popular: “La señora condesa tiene un tintero donde moja la pluma José primeee-e-e-ero”!
(*”A condessa tem um tinteiro onde molha a caneta José primeeee-e-e-e-eirooo!”)
Outros estudiosos más apaziguadores juram que o cara no fundo era uma alma bondosa e bem-intencionada, além de apaixonado místico das artes e letras. Que se preocupava com o futuro da Espanha e não era o “bon vivant” que pintava a imprensa da época. E que, entre mil outras cositas, lançou as sementes para a criação do famosérrimo Museu do Prado, em Madri, oficialmente fundado por seu sucessor, Fernando VII.
(Continua em breve—)
(Que a historiña ficou longa!)
Fuente FOLHA DE S.PAULO