O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos rejeitou esta sexta-feira intervir no processo de Archie Battersbee, o jovem de 12 anos em morte cerebral, naquela que era a última tentativa dos pais evitarem o desligar das máquinas. Assim, segundo a imprensa britânica, as máquinas serão desligadas às 10h00 deste sábado – ainda que a morte cerebral esteja confirmada desde 31 de maio, o que significa que o menino está morto e o coração só continua a bater devido ao suporte artificial de vida.
A informação foi avançada por um porta-voz da Christian Concern, grupo de advocacia relacionado com os evangélicos e que tem prestado apoio à família da criança, assumindo que “todas as vias legais estão esgotadas”. Na mesma declaração, citada pela Sky News, o porta-voz revelou que “a família está devastada” e “está a passar tempo precioso com Archie”. O Daily Mail avança que os pais irão passar a última noite com o filho.
Durante esta sexta-feira, os pais de Archie Battersbee continuaram a sua batalha legal para que fosse suspenso o suporte artificial das funções vitais, como o ventilador que enche e esvazia os pulmões. Porém, nenhum dos recursos interpostos teve a resposta desejada por esta família. Os tribunais ingleses seguiram a legislação em vigor, equivalente à portuguesa: feitos os respetivos testes foi verificado que as funções do tronco cerebral tinha sido perdidas de forma irreversível – o que significa que a criança está morta.
Logo pela manhã, o Supremo Tribunal do Reino Unido recusou o pedido dos pais de Archie Battersbee para transferir o rapaz de 12 anos em morte cerebral para uma unidade de cuidados paliativos – que tem como objetivo aliviar o sofrimento dos doentes em fim de vida. O juiz do caso considerou que Archie “devia continuar no hospital”: “Espero que agora Archie possa ter a oportunidade de morrer em circunstâncias pacíficas, com a família que significou tanto para ele, como ele claramente significa para eles”.
Posteriormente, a família recorreu para um Tribunal de Recurso com o objetivo de obter uma autorização de contestar a decisão do Supremo. No entanto, ao final da tarde desta sexta-feira, a imprensa inglesa noticiou que também esta instância judicial recusou o pedido dos pais do jovem. Na sequência desta decisão partiram para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, cuja decisão foi tornada pública cerca das 22h00 desta sexta-feira.
A decisão do Supremo — a primeira desta sexta-feira — foi ao encontro do parecer clínico dos médicos que estão a acompanhar o caso de Archie Battersbee, que entrou em morte cerebral depois de ter ficado privado de oxigénio num desafio a que acedeu no Tik Tok – tal como uma criança que morre por afogamento ou por intoxicação por monóxidode carbono. Os médicos consideram que a transferência para uma unidade de cuidados paliativos “provavelmente aceleraria a deterioração prematura que a família deseja evitar, mesmo com equipamentos de terapia intensiva completos e equipa na viagem”.
Os pais, por outro lado, defendiam a transferência para que Archie Battersbee pudesse morrer “com dignidade” — uma dignidade que consideram não existir no Royal London Hospital por causa do “ruído e falta de privacidade”. “Nós nem sequer temos a oportunidade de estarmos num quarto juntos como uma família, sem enfermeiras”, desabafou a mãe, Hollie Dance, numa entrevista à Times Radio na quinta-feira.
Ao Observador, Maria do Céu Patrão Neves destacou a importância da comunicação entre a equipa médica e os pais, para que estes possam dar início ao luto com mais tranquilidade. Para a presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, aguardar horas ou dias depois de verificada a morte cerebral faz sentido para que a família se despeça, mas não mais de dois meses como neste caso.
O médico internista e intensivista António Carneiro foi mais longe e disse que uma intervenção que não tenha como intenção curar, tratar ou aliviar o sofrimento do doente pode ser criminalizada de acordo com o código penal. No caso de Archie, a perda da funções cerebrais é irreversível, que é o mesmo que dizer que a morte é irreversível, logo as intervenções não devem continuar. Daí que os tribunais ingleses tenham dito que suspender o suporte artificial de vida seja legal.
O coordenador do núcleo de ética da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna acrescentou que os casos raros em que assistimos a pessoas acordar de um coma profundo não são comparáveis: apesar de nesses casos haver lesões cerebrais, o tronco cerebral continua funcional. É o tronco cerebral que leva a informação do encéfalo ao organismo e em sentido contrário. Sem um tronco cerebral funcional, os pulmões nunca conseguirão respirar sozinhos, nem sequer haverá funções reflexas como espasmos musculares.
Archie Battersbee está oficialmente em morte cerebral desde 31 de maio, mas desde o incidente a 7 de abril que não recuperou a consciência. A mãe garante que o filho lhe apertou a mão, que o viu tentar respirar voluntariamente e que este terá ganho 400 gramas durante estes meses, mas os médicos que o assistem consideram que está em morte cerebral, com lesões irrecuperáveis.
António Carneiro, que já se viu muitas vezes perante as famílias para dar a pior das notícias, compreende a dificuldade da família, mas diz que esta obstinação não mudará a situação de Archie e não trará qualquer benefício aos pais que continuam a adiar o luto.
Archie, o menino em morte cerebral a quem os pais não querem ver desligar o coração
Os pais querem que a máquina que lhe mantém os pulmões a encher e despejar – e o coração a bater graças à presença de oxigénio – fique ligada, mas os médicos consideram que manter esta situação não serve os melhores interesses da criança. Dois juízes do Supremo Tribunal de Inglaterra que avaliaram o caso em momentos separados consideraram que os médicos podiam desligar as máquinas e os juízes do Tribunal de Recurso acabaram por considerar esta decisão válida, negando aos pais a possibilidade de pedir um segundo recurso, conforme anunciado esta segunda-feira.
A família não se conformou com a decisão e pediu a suspensão da execução enquanto recorria ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e às Nações Unidas. O Tribunal de Recurso concedeu uma suspensão de dois dias para apresentação do recurso ao Tribunal Europeu, que entretanto recusou pronunciar-se sobre o assunto – duas vezes esta semana. A família voltou ao Supremo Tribunal do Reino Unido, que anunciou esta sexta-feira a decisão de rejeitar uma ordem para transferir Archie para uma unidade de cuidados paliativos.
Os pais e irmãos podem passar a noite com Archie antes do suporte artificial de vida ser desligado, sábado às 10h00. Quando os pulmões deixarem de oxigenar o sangue e o soro deixar de encher os vasos sanguíneos, o coração e os rins vão perder a capacidade de se manter a funcionar e acabarão por parar. O cérebro, porém, deixou de trabalhar há muitos meses e, além das lesões iniciais, estará já bastante deteriorado.
Última atualização à 01h00 de 6 de agosto
Fuente Observador