O governo da Alemanha confirmou nesta quarta (25) o envio de um primeiro esquadrão de 14 tanques Leopard-2 e a liberação do fornecimento do modelo por outros países para apoiar o esforço de guerra da Ucrânia contra a Rússia, que a invadiu há 11 meses.
Berlim tem 376 blindados do tipo, o mais comum nos arsenais europeus: 2.300 unidades são operadas por 12 países. Mais importante, Berlim detém a licença de reexportação do modelo, agora franqueada aos aliados.
Com isso, os alemães parecem romper o imobilismo e a relutância que marcam sua relação com a Guerra da Ucrânia, após semanas de pressão de seus aliados. A primeira reação russa foi previsível. “É uma decisão extremamente perigosa, que leva o conflito a um novo nível de confrontação”, disse em nota o embaixador russo em Berlim, Serguei Netchaiev.
É um ponto de inflexão política na guerra, embora ainda seja muito cedo para estimar o impacto militar da medida, que essencialmente depende de números e em quanto tempo estarão disponíveis. Estudo do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres, diz que alguma diferença pode ocorrer, dada a superioridade técnica dos modelos ocidentais sobre os russos, a partir de cem blindados.
O governo em Kiev queria 300 para isso, visando conter os avanços recentes de Vladimir Putin no leste e no sul do país, após meses de más notícias para Moscou. Os 14 tanques, em termos militares, equivalem a um esquadrão, unidade mínima de operação, e obviamente não farão sozinhos diferença alguma —Berlim vai dar versões A6, a segunda mais moderna do tanque.
A Ucrânia já tinha recebido da Polônia no ano passado 230 tanques T-72, modelos soviéticos que já operava. Quase metade os cerca de mil blindados pesados que tinha antes da guerra já foram perdidos.
O ministro da Defesa alemão, Boris Pistorius, disse nesta quarta esperar que os Leopard-2A6 estejam em ação em três meses. Se fossem blindados antigos em estoque, só estariam prontos para uso na virada do ano. Estima-se que o treinamento de uma equipe completa para operar os tanques dure de três a seis semanas, por baixo.
O mesmo deve demorar para o treino de times para operar os 14 tanques Challenger-2 que o Reino Unido já havia prometido doar a Kiev, com o complicador de ser um modelo diferente. Há a expectativa, colocada em vazamentos à imprensa americana na terça (24), de que Washington libere até 50 dos poderosos M1A2 Abrams, ou talvez o modelo mais antigo M1A1. Esses armamento são ainda mais complexos, caros e difíceis de sustentar no campo de batalha por consumir muito combustível.
Por isso os olhos todos estavam sobre Berlim, dada a abundância de Leopard-2, o que permite que vários países contribuam sem causar uma barafunda técnica para Kiev. O treinamento de ucranianos é vital para manter o discurso de que não há envolvimento direto dos aliados do lado de Volodimir Zelenski na guerra, o que levaria a uma escalada imprevisível e perigosa.
O primeiro dono de Leopard-2 a se mexer foi a Polônia, o mais beligerante membro da Otan no Leste Europeu. Na véspera, o governo havia pedido autorização a Berlim para enviar 14 tanques, um teste de estresse sobre a resistência alemã.
Varsóvia opera 244 tanques do tipo, 97 dos quais do modelo mais antigo A4, que quer mandar a Kiev. O premiê Mateusz Morawiecki comemorou a decisão em mensagem no Twitter. Finlândia e, agora, Noruega e Espanha também indicaram querer enviar alguns Leopard-2.
Outros países, como Reino Unido, também aplaudiram a decisão. O chanceler lituano, Gabrielius Landsbergis, publicou no Twitter uma imagem de um tanque entre as cores ucranianas e trocadilho Tanke Schön (Danke Schön é obrigado em alemão).
Inicialmente, o governo de Scholz hesitava em enviar armas mais pesadas por temer impacto direto na sua economia,já que dependia fortemente no gás russo para fazê-la rodar. Ao longo de 2022, a alto custo e subsídios, conseguiu cortar praticamente todos os laços com o Kremlin no setor, algo que era considerado improvável.
“A decisão segue nossa conhecida linha de apoiar a Ucrânia da melhor forma possível”, disse em nota o premiê Olaf Scholz, ao confirmar a informação revelada na véspera pela revista Der Spiegel.
Havia, e há, o temor de que a escalada militar ocidental provoque uma reação russa. O Kremlin já havia dito que atacaria comboios dentro da Ucrânia com esses materiais, e que tanques como o Challenger-2 iriam “queimar”.
Mas aparentemente o temor de um embate que evolua para uma Terceira Guerra Mundial, que pautou o comportamento ocidental e as ameaças nucleares de Moscou ao longo da guerra, não é mais prevalente na Otan.
Prova disso foi o pacote de armas aprovado na sexta passada (20) em reunião do clube de 30 nações mais 20 aliados em uma base americana na Alemanha. Mesmo ainda sem os tanques, a variedade de blindados, artilharia e defesa antiaérea apresentada sugere um envolvimento mais direto na guerra.
Algumas linhas, contudo, seguem: Scholz disse que, assim como os EUA estabeleceram quando vetaram o envio de caças MiG-29 poloneses para Kiev, a Alemanha não irá aprovar o fornecimento de aviões de combate. Ele afirmou que, apesar dos Leopard-2, seu objetivo é evitar uma escalada com o Kremlin.
Além da questão militar, há a política. Zelenski está buscando asseverar autoridade, tendo promovido um expurgo de membros do governo após um escândalo de corrupção. Mas isso também mostra que há divisões sob seu governo, o que nunca é boa notícia durante uma guerra.
Fuente FOLHA DE S.PAULO