Quando o governo da Polônia decidiu construir uma torre de observação no alto de um morro arenoso no município de Wolin, Wojciech Filipowiak, arqueólogo, foi chamado para verificar a região. O objetivo era procurar artefatos enterrados na ilha localizada no mar Báltico, próxima à divisa com a Alemanha.
Mas quem sabia que descobertas sobre Jomsburgo, uma lendária aldeia viking, poderiam surgir no local?
Parque público, o local chamado como Morro dos Enforcados já havia sido um espaço de execução, um cemitério e um lugar para sacrifícios humanos. O que o Filipowiak encontrou quando começou a escavar, no entanto, causou entusiasmo: madeira carbonizada indicava os restos de uma fortaleza do século 10 que poderia ajudar a resolver um dos grandes enigmas da era viking: a temível fortaleza dos textos antigos era uma fantasia literária ou uma realidade histórica?
Há muito se sabe que guerreiros nórdicos estabeleceram postos avançados há mais de um milênio na costa báltica da Polônia. Na região, eles escravizavam povos eslavos indígenas, bem como comercializavam sal, âmbar e outros produtos.
Mas a localização de Jomsburgo, o maior assentamento dos vikings na região, não era conhecida. Tratava-se de uma fortaleza lendária citada em textos do início do século 12, também conhecida como Jomsvikings. Alguns estudiosos modernos acreditam que Jomsburgo nunca foi um lugar real, mas sim uma lenda transmitida e amplificada ao longo do tempo. As descobertas no Morro dos Enforcados na i lha Wolin podem modificar essa opinião.
“Isso poderia resolver um mistério que remonta a mais de 500 anos: onde está Jomsburgo?”, disse Filipowiak, um estudioso em Wolin da seção de arqueologia e etnologia da Academia de Ciências da Polônia.
O interesse pela cultura nórdica aumentou nos últimos anos à medida que séries de televisão como “Game of Thrones”, filmes, histórias em quadrinhos e videogames adotaram temas, vestimentas e símbolos. A era viking, ou uma aproximação grosseira dela, tornou-se elemento da cultura popular.
Essa foi uma boa notícia para o turismo em Wolin. “Os vikings são ‘sexy’ e atraem muito interesse”, diz Ewa Grzybowska, prefeita local.
Mas a prefeita lamentou que muito menos visitantes vão à sua região do que a um balneário próximo. Segundo ela, seria necessário mais verbas para escavar e desenvolver Wolin como um destino turístico para pesquisadores e amadores entusiastas dos vikings.
“Onde quer que você vá aqui, há um pedaço da história”, acrescenta a prefeita, enquanto apontava de sua janela para uma praça que se acredita conter um tesouro de artefatos medievais soterrados.
Essa história, entretanto, tem sido uma fonte de discórdia frequente. Como Wolin fez parte da Alemanha até 1945, a ilha foi vasculhada atrás de evidências da presença de vikings –e de provas do que os nazistas acreditavam ser a superioridade da raça nórdica e seu domínio no início do período medieval sobre os povos eslavos. Eles encontraram alguns artefatos, mas nenhuma evidência da fortaleza.
Quando a Polônia assumiu o controle de Wolin após a Segunda Guerra Mundial, arqueólogos caçaram artefatos que aumentariam o domínio de seu país sobre as antigas terras alemãs e ajudariam a reforçar o senso de identidade nacional. Virou tradição: escolas de Wolin organizaram encenações das invasões vikings na costa báltica. “Muito mais crianças queriam ser eslavas defendendo a ilha”, diz Karolina Kokora, diretora do museu histórico de Wolin.
Isso mudou depois que a Polônia abandonou o comunismo e começou a se voltar para o Ocidente, afastando-se da Rússia e da ênfase no orgulho eslavo. “Depois de 1989, todas quiseram ser vikings.”
O fascínio do público pelos vikings também levou a um aumento da pesquisa histórica. Entre eles está Marek Kryda, historiador polonês-americano e autor de um livro polêmico de 2019 que denunciou a arqueologia polonesa como um pântano de chauvinismo étnico quase cego para o papel que os vikings desempenharam na formação do país.
O historiador desencadeou uma tempestade de controvérsia no verão passado na Polônia depois que ele anunciou no The Daily Mail que havia localizado o provável túmulo de Harald Dente-Azul, o histórico rei viking dinamarquês que governou a região em tempos antigos.
A visão de consenso entre os historiadores é que Harald morreu na região no final do século 10, mas foi enterrado na Dinamarca.
Segundo Marek Kryda, o provável túmulo de Harald fica em Wiejkowo, um vilarejo no interior de Wolin. Por outro lado, Filipowiak descartou essa informação e a chamou de “pseudociência”.
O furor sobre o local onde ele está enterrado transformou o rei viking num agente de divisão ruidosa. Celebrado como um unificador de feudos nórdicos rivais, Harald Dente-Azul serviu de inspiração para o nome da tecnologia sem fio Bluetooth.
O arqueólogo Wojciech Filipowiak diz que sua descoberta do que ele acha que poderiam ser as muralhas de Jomsburgo ainda precisa de análises. Mas acredita que já há “80% de certeza” de que é o local afirmado. O debate sobre a localização de Jomsburgo –ou se realmente existiu– tem sido “uma discussão muito longa”, di\. “Espero que eu possa ajudar a acabar com isso.”
Fuente FOLHA DE S.PAULO
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